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quarta-feira, 7 de março de 2012

Fiscalização em entidades de atendimento à luz da Lei 8.069/90

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1. Entidades de atendimento: finalidade, classificação e responsabilidades
 
As entidades de atendimento, reguladas nos arts. 90-94 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), têm como finalidade a execução das medidas de proteção (art. 101 do ECA) e socioeducativas (art. 112 do ECA), destinando-se ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social em razão da ação ou omissão da sociedade ou do Estado, em razão da falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, ou ainda em razão de sua conduta (art. 98 do ECA).
 
A Lei 8.069, de 13.7.90, ao tratar das entidades de atendimento, classificou-as em governamentais e não-governamentais. Governamentais são as entidades mantidas pelo governo e nao-governamentais são as entidades particulares, subvencionadas ou não com verbas públicas.1
 
1.Wilson Donizeti Liberati, Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários, Coleção Estudos Jurídicos-Sociais, Brasília, 1991, p. 35.
 
As entidades de atendimento, por disposição legal, têm o compromisso e a responsabilidade de manter as suas unidades, planejar e executar os seus programas, além de levá-los a registro junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a especificação dos regimes de atendimento.
 
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá, além de manter o registro das inscrições e de suas alterações, comunicar tais informações ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária local (art. 90, parágrafo único, do ECA), o que permitirá aos órgãos fiscalizadores, especialmente nos grandes centros urbanos, conhecer das propostas, de cada entidade.
 
Prevê a lei a impossibilidade de registro a entidade não-governamental que deixar de oferecer instalações físicas adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança; que não apresentar plano de trabalho compatível com os princípios do Estatuto; que não estiver regularmente constituída (arts. 13 a 30 do CC) e que não tenha em seus quadros pessoas idôneas (art. 91, parágrafo único, do ECA).
 
É de salientar-se que os programas a serem desenvolvidos pelas entidades de atendimento deverão seguir um dos regimes de atendimento elencados nos incs. I-VII do art. 90 do Estatuto, a saber: orientação e apoio sociofamiliar, apoio socioeducativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação. O art. 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente traça os princípios a serem seguidos pelas entidades que desenvolvam programa de abrigo, enquanto o art. 94 elenca algumas das obrigações das entidades que optarem pelo programa de internação. Tais requisitos deverão ser observados por ocasião da fiscalização, observando-se as peculiaridades do regime de atendimento adotado pela entidade fiscalizada.

2. Fiscalização das entidades de atendimento: competência, formas de fiscalização, procedimentos, medidas aplicáveis, recursos

 
Estabeleceu o legislador infanto-juvenil que as entidades de atendimento serão fiscalizadas pelo judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares (art. 95 do ECA). Tal fiscalização busca assegurar a proteção integral das crianças e dos adolescentes que se encontrem sob os cuidados dos dirigentes das entidades. Para importante missão, quis o legislador que tanto a autoridade judiciária, o. Ministério Público como o Conselho Tutelar estivessem atentos, vigilantes e, legitimados para a abertura de procedimento para a apuração de irregularidade em entidade de atendimento, buscando evitar que a criança e o adolescente encaminhados a tais entidades sejam lá esquecidos, desrespeitados e discriminados, como os registros do passado próximo nos indicam. Evidencia-se a efetiva preocupação do legislador com o tema ao descrever como crime, punido com a detenção de seis meses a dois anos, toda a conduta que busque impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou órgão do Ministério Público no exercício de função prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, onde se inclui, inclusive, a atividade fiscalizadora lançada no art. 95 do referido diploma legal (art.236 do ECA).
 
A fiscalização a ser desempenhada pelos órgãos legitimados deverá ser total, abrangendo tanto os aspectos físicos dos estabelecimentos - como a salubridade e higiene - como os aspectos pedagógicos adotados pelos dirigentes das entidades e executados pelos. técnicos e monitores. Deverá também a fiscalização ser exercida de forma. permanente - em caráter preventivo - como de forma excepcional, sempre que formalizada notícia de irregularidade. Entendemos que as impressões e os dados colhidos em cada inspeção devam ser registrados em prontuário, permitindo que cada órgão fiscalizador mantenha as informações e as repasse aos eventuais sucessores, possibilitando a regular continuidade do trabalho.
 
Há que se estar atento, no momento da inspeção, à boa ou má-fé do dirigente da entidade em que for constatada alguma irregularidade. Presente a boa-fé, nos parece recomendável e indicado o caminho do diálogo, do esclarecimento e da possibilidade de se fixar prazo para o atendimento das exigências a fim de que as irregularidades sejam sanadas. Ausente a boa-fé, impõe-se, de pronto, ao serem constatadas irregularidades, adotar o procedimento estabelecido nos arts.191 e ss. do Estatuto. Tratando-se de iniciativa da autoridade judiciária, a peça inicial será a portaria. Se a iniciativa for do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, cabível será o oferecimento de representação à autoridade judiciária.
 
A representação deverá conter o resumo dos fatos, a qualificação completa da entidade e de seus dirigentes (tanto da unidade como do dirigente geral), a base legal do pedido, a data e assinatura do firmatário Tratando-se de representação oferecida pelo Conselho Tutelar à autoridade judiciária, é recomendável consulta ao respectivo Regimento Interno para que a peça seja firmada de acordo com os critérios previamente fixados pelo órgão colegiado, hipótese. em que ele terá capacidade processual para estar em juízo, sendo desnecessária a representação através de advogado.
 
Importante salientar a previsão legal fixada no parágrafo único do art. 191 da legislação citada, que prevê a possibilidade de afastamento provisório do dirigente de entidade quando constatado motivo grave. Tal medida será possível através de decisão fundamentada da autoridade judiciária, de ofício, ou mediante prévio pedido formulado na representação pelo Ministério Público ou pelo Conselho Tutelar.
 
Havendo o afastamento provisório ou definitivo do dirigente da entidade governamental, a autoridade judiciária oficiará à autoridade administrativa imediatamente superior ao afastado, marcando prazo para a substituição. O descumprimento à ordem judicial implicará em crime de desobediência (CP, art. 330), podendo, em tese, também justificar a intervenção do Município ou Estado (CF, arts. 34, VI e 35, IV).
 
2. Cury, Garrido & Marçura, Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado, Ed. RT, São Paulo, 1991, p. 102, nota 5.=
 
Na audiência de que trata o art. 193, deve prevalecer o princípio da oralidade e do contraditório.

3. Wilson Donizeti Liberati, ob. cit., p. 133.
 
Os atos processuais inseridos no procedimento que ora se analisa estão amparados pelo princípio geral da publicidade (arts. 5º, LX, e 93, IX, parte final, ambos da CF). Entretanto, poderá a autoridade judiciária impor o segredo de justiça, expondo seus fundamentos, em benefício do interesse público.
 
Havendo comprovação de irregularidade em entidade de atendimento a autoridade judiciária aplicará às entidades governamentais uma das medidas previstas no art. 97, I, "a", "b", "c" ou "d", e, às entidades não governamentais, uma das medidas referidas no mesmo artigo, inc. II, "a", "b", "c" ou "d".
 
Ainda com relação às medidas aplicadas, ensinam Cury, Garrido & Marçura, in Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado, 1991, Ed. RT, p. 102, que a referência à multa inserida no § 4º do art. 193 resulta de erro do legislador, porquanto essa modalidade de sanção foi suprimida do rol constante do art. 97.
 
As decisões judiciais que aplicarem medidas às entidades de atendimento são passíveis de recursos, na forma disposta nos arts. 198 e ss. do Estatuto da Criança e do Adolescente.
 
Previamente ao oferecimento de representação para apuração de irregularidade em entidade de atendimento, será possível o ajuizamento de medidas cautelares, na forma prevista na lei processual civil.

3. Conclusão
Finalizando, deixamos o nosso alerta para a importância do tema, tratado com grande destaque e abrangência pelo legislador de 13.7.90. Aos órgãos fiscalizadores caberá esta árdua missão, caminho para o respeito e para as garantias constitucionais às crianças e aos adolescentes, caminho para o engrandecimento de nossa função institucional.


Maria Regina Fay de Azambuja
Procuradora de Justiça no Rio Grande do Sul

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