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domingo, 4 de março de 2012

Pergunta: O que fazer quando o Poder Público não cumpre as requisições de serviço expedidas pelo Conselho Tutelar com fundamento no art. 136, inciso III, alínea “a”, do ECA?

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Resposta: Se está havendo entraves quanto ao cumprimento das requisições de serviço encaminhadas pelo Conselho Tutelar, o momento é oportuno para repensar a forma como estas vêm sendo expedidas, e também para corrigir eventuais falhas no funcionamento do órgão, que decorrem da falta de compreensão quanto ao seu papel dentro do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”, inclusive por parte dos gestores públicos e servidores que atuam em diversos órgãos, programas e serviços de atendimento. Com efeito, infelizmente muitos ainda vêem o Conselho Tutelar como uma espécie de “comissariado de menores de segunda categoria”, quando na verdade, na forma da lei, o mesmo possui um “status” e diversos poderes/prerrogativas funcionais (como a própria requisição de serviços públicos) equiparados aos conferidos à autoridade judiciária, cuja função em muitos casos substitui (cf. art. 262, do ECA). A verdadeira equiparação que a lei faz entre o Conselho Tutelar e a autoridade judiciária pode ser sentida com particular intensidade quando da análise não apenas do citado art. 262, do ECA, mas também dos arts. 236 e 249, do mesmo Diploma Legal, que consideram restar caracterizado o mesmo crime “impedir ou embaraçar” tanto a atuação de membro do Conselho Tutelar quanto da autoridade judiciária (assim como do MP) e a mesma infração administrativa descumprir tanto determinação da autoridade judiciária quanto do Conselho Tutelar. O considerável poder conferido ao Conselho Tutelar, no entanto, vem acompanhado de uma enorme responsabilidade, e isto deve se refletir na forma de atuação do Conselho Tutelar, que deve ser voltada não apenas ao “atendimento” de casos individuais, com seu puro e simples “encaminhamento” ao Ministério Público/Poder Judiciário ou mesmo com a “aplicação de medidas” meramente “no papel”, mas sim deve ser direcionada à efetiva solução dos problemas e deficiências estruturais que o município apresenta, numa perspectiva eminentemente preventiva e coletiva (inteligência do disposto nos arts. 131 e 136, inciso IX, do ECA). É importante ficar claro que aquilo que se encontra na esfera de atribuições do Conselho Tutelar deve ser resolvido pelo próprio Conselho Tutelar, com o indispensável apoio dos profissionais que atuam junto aos órgãos, programas e serviços que integram a "rede de proteção" à criança e ao adolescente que todo município tem o dever de implementar. Para que o Conselho Tutelar consiga desempenhar esta atuação “resolutiva” dos casos sob sua responsabilidade, é fundamental “racionalizar” a expedição das “requisições de serviços”, de modo que esta não seja “banalizada”, e somente ocorra quando realmente não houver outra alternativa. O correto não é “expedir requisições de serviço” para todo e qualquer caso atendido pelo Conselho Tutelar, mas sim é fundamental que o Conselho Tutelar articule ações e estabeleça “referenciais” junto aos diversos órgãos públicos e entidades encarregadas do atendimento de crianças e adolescentes, de modo que, sempre que necessário (e como regra), poderá acionar o serviço, programa ou profissional competente de forma direta, sem que para tanto tenha de encaminhar uma “requisição” formal (pois esta tem força de ordem de autoridade, e não pode ser “banalizada”, até para que quando for efetivamente necessário sua utilização, a mesma seja prontamente cumprida, vez que possui caráter coercitivo), até porque cabe ao Poder Público proporcionar - espontaneamente (a teor do disposto no art. 4º, caput, do ECA e art. 227, caput, da Constituição Federal - a efetivação de tais direitos, por intermédio de políticas públicas materializadas nas mais diversas ações, programas e serviços a serem implementados com a mais absoluta prioridade, (inclusive sob pena de responsabilidade pessoal - civil, administrativa e mesmo criminal do agente omisso, nos moldes do previsto nos arts. 5º, 208 e 216, do ECA, sem prejuízo do ajuizamento de demanda específica quanto à obrigação de fazer/não fazer). Falando em responsabilidade criminal, o descumprimento de uma requisição de serviço expedida pelo Conselho Tutelar caracteriza, em tese, a prática do crime de desobediência (cf. art. 330, do Código Penal), assim como da infração administrativa tipificada no art. 249, do ECA.  

Sobre o autor:
Murillo José Digiácomo é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (CAOPCA/MPPR) e membro da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude - ABMP.
Fone: (41) 3250-4710. PABx: (41) 3250-4000.
E-mail: murilojd@mp.pr.gov.br

Fonte: http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/

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